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Clarina Genaro – “O quadro de desigualdade entre negros e brancos está relacionado tanto a fatores estruturais quanto à discriminação. Entre os fatores estruturais, sem dúvida o mais significativo é o componente educacional”.

 

Em meio à programação de eventos que marcam o Dia da Consciência Negra (20/11) em Bariri, Candeia entrevistou Clarina de Souza Genaro, 36 anos integrante do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e presidente do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra. Para a conselheira, as ações afirmativas – como cotas, por exemplo – são políticas eficazes de combate ao racismo e à discriminação racial, uma vez que se trata de promoção ativa da igualdade de oportunidades para todos. Genaro defende o resgate dos valores da cultura negra através dos currículos escolares; e a necessidade de uma legislação que proteja os direitos humanos. Para ela, “o governo brasileiro não tem demonstrado o compromisso necessário para reduzir a desigualdade racial nas suas diversas instâncias”. Clarina Genaro é baririense, solteira, e tem graduação em Ciências Biológicas e Pedagogia, além de ser técnica em Administração. Trabalhou na área de vendas, como agente administrativo e agente de crédito doo Banco do Brasil.

 

Candeia – Faça um breve histórico de sua participação na luta pela consciência negra.

Clarina Genaro – Em 2010 participei de um curso voltado para professores e militantes da comunidade negra de Araraquara e região. Curso promovido pela ONG Fonte. O curso me proporcionou uma viagem a “História da África”, através da literatura africana. A paixão pelas cores e brilhos me levou ao carnaval, foi assim que participei das ações dentro da ONG Fonte, que tinha como um dos projetos sociais a escola de samb a – “Nação Quilombola”, que por alguns anos participei como integrante e diretora de Ala.  Em 2018 fiz um intercâmbio, entre algumas comunidades no Brasil e me permitiu conhecer algumas comunidades que já havia trabalho virtualmente. Fui para São Paulo conheci as comunidades: Mulheres Guerreiras, Associação Garotos de São Fernando, Céu Ferraz de Vaz Conselhos, Céu Parque Veredas, Jiu-Jitsu kids na quebrada em Itaquaquecetuba e Vale do Ribeira em algumas comunidades. Ainda tinha aquele pensamento, resolvi fazer uma busca de movimentos em minha cidade atual, Bariri/SP. Encontrei a Associação Quilombo de Bariri. Amor à primeira vista. Foi quando eu passei minha ideia de mudar a decoração e com algumas ideias e sugestão, comecei meu trabalho na Quilombo em 2019.  Fizemos novas ações e projetos uma nova identidade. Tive a oportunidade de desenvolver algumas atividades como: Semana Acadêmica Ufscar – NEAB com estimativa de público de 80 pessoas, visita do Africano em São Paulo – Praça da República, Projeto Realce, Desfile Beleza Negra/Projeto Realce que teve 26 participantes diretamente e indiretamente tivemos um público de 400 pessoas, Exposição de Artes Visual – Semana da Consciência negra 2019, Exposição de Tecidos Afro – Sede Quilombo, Exposição e comercialização de tecidos afro – Praça Matriz. Em 2020 recebi um convite para me candidatar ao Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra. Atualmente sou Conselheira Estadual, represento não só Bariri, mais 645 municípios do Estado de São Paulo e sou também presidente do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra. Nesse ano de 2021 realizei diversas ações em prol da comunidade negra de Bariri, como: Projeto Afroclick a qual tive 16 participantes, dessa com idades entre 32 anos a 75 nos, Prêmio Mulher Negra Latino Caribenha de Bariri, AfroFest – I Festival de Cultura e Culinária Afro de Bariri, em sua primeira edição com aproximadamente 400 participantes, Projeto Realce/ Desfile Beleza Negra 2 ed. Nossa Beleza Interior, que tenho16 participantes diretas, e indiretamente 100 pessoas e a Feira Afro Bariri, em sua edição primeira que tem uma estimativa de público de 1000 pessoas.

 

Candeia – Qual é a importância e o significado do Dia da Consciência Negra?

Clarina Genaro – Além de ser uma homenagem e reconhecimento à luta de Zumbi dos Palmares e seus companheiros no quilombo, o Dia da Consciência Negra é fundamental para destacar as desigualdades e a violência contra os negros que ainda existem em nossa sociedade. Além de ser um momento festivo, esta data também reflete o racismo da atualidade e sua influência. Este é um dia para comemorar o trágico assassinato de Zumbi e a luta contra o racismo, que foi considerado pela lei um herói nacional. Além de comemorar a luta dos negros, também comemora e levanta a data de conscientização da força, resistência e sofrimento dos negros que vivem no Brasil desde a colonização.

 

Candeia – A data de 20 de novembro foi escolhida para comemorar o Dia da Consciência Negra em alusão à Zumbi dos Palmares. Que papel ele representa no movimento de resistência negra no Brasil?

Clarina Genaro – Zumbi dos Palmares é um símbolo da resistência brasileira e do antiescravismo, figura que dedicou sua vida ao antiescravismo durante o período colonial brasileiro, morreu em 1695 pela liberdade do povo brasileiro. A data reúne diferentes ações de combate ao racismo e reacende o debate sobre a chegada dos negros ao país, a escravidão no Brasil e o racismo estrutural da sociedade.

 

Candeia – Um dos caminhos para o resgate dos valores da cultura negra é trabalhar o tema através dos currículos escolares. Como a senhora vê esta questão? Na prática isto vem ocorrendo?

Clarina Genaro – O currículo escolar deve ser estruturado considerando a origem e a história de vida dos alunos e alunas, os costumes, hábitos alimentares, o território e a territorialidade e a memória coletiva das comunidades, entre outros elementos, como especificidades da herança cultural que carregam, bem como suas lutas sociais, contribuindo assim para o fortalecimento da identidade cultural dos educandos. Ao mesmo tempo, é dever da escola, enquanto instituição socializadora, propiciar a ampliação do repertório do aluno e a construção de novos conhecimentos para prepará-lo para a vida social, contribuindo, portanto, para a emancipação dos sujeitos sociais presentes na sala de aula. A reparação curricular é uma tentativa de instaurar um diálogo acerca dos preconceitos raciais relacionados aos negros e descendentes, em um país no qual, mais da metade da população é negra. Ao mesmo tempo em que a Lei busca a implementação de um currículo que reconheça os valores da história cultural africana, objetiva também, por meio da construção de conhecimentos históricos e multiculturais, despertar discussões entorno de questões relacionadas a omissão e negação aos negros de seus direitos legalmente construídos, e a forma de como os negros têm sido (re) apresentados na história oficial brasileira por aproximadamente cinco séculos. Entendendo que por mais que ainda tenhamos resistência em relação ao teor das leis 10.639/03 e 11.645/08, e por mais que o cumprimento destas ainda esteja aquém do esperado, destacamos que a aprovação destas leis causou impactos e inflexões na educação escolar brasileira, como: ações do MEC e dos sistemas de ensino no que se refere à formação de professores para a diversidade étnico-racial; novas perspectivas na pesquisa sobre as relações étnico-raciais, no Brasil; visibilidade à produção de intelectuais negros sobre as relações étnico-raciais na sociedade brasileira; inserção de docentes da educação básica e superior na temática africana e afro-brasileira como também indígena; ampliação da consciência dos educadores de que a questão étnico-racial diz respeito a toda a sociedade brasileira, e não somente às (aos) negras(os).

 

Candeia – Pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que, apesar da redução das desigualdades raciais vivenciadas ao longo da última década e meia, a mudança ficou longe de promover a equidade racial. O que a senhora aponta como principais indicadores desta discriminação e/ou desigualdade no Brasil?

Clarina Genaro – O Brasil é reconhecidamente um dos países mais desiguais do planeta, e uma das dimensões dessa desigualdade é racial. Essas desigualdades estão presentes em diferentes momentos do ciclo de vida do indivíduo, desde a infância, passando pelo acesso à educação, à infraestrutura urbana e cristalizando-se no mercado de trabalho e, por consequência, no valor dos rendimentos obtidos e nas condições de vida como um todo. As distinções e desigualdades raciais são contundentes, facilmente visíveis e de graves consequências para a população afro-brasileira e para o país como um todo. O quadro de desigualdade entre negros e brancos está relacionado tanto a fatores estruturais quanto à discriminação. Entre os fatores estruturais, sem dúvida o mais significativo é o componente educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso à educação formal, os negros também ocupam postos de menor prestígio no mercado de trabalho. Os desafios para a superação das desigualdades raciais no Brasil são imensuráveis, por isso existe a necessidade de uma legislação que proteja os direitos humanos, mas essa por si só não basta, pois somente a partir de um processo efetivo de reeducação para a diversidade e a consolidação de políticas eficazes de combate à discriminação racial é que avançaremos na promoção da igualdade racial em nosso país.

 

Candeia – Construir pontes que aproximem as realidades de brancos e negros no Brasil é um desafio monumental de engenharia social e econômica. O que fazer para diminuir a desigualdade racial no Brasil?

Clarina Genaro – Ao longo dos últimos anos a proliferação de variadas iniciativas relacionadas ao enfrentamento das desigualdades raciais no Brasil, foi através de políticas públicas e ações afirmativas, que são ações resultantes das constantes reivindicações do Movimento Negro, o governo brasileiro tem se mostrado mais sensível à questão da discriminação racial no país. Muitas delas nem sempre utilizam esta terminologia, mas colocam entre seus objetivos a promoção da população afro-brasileira. As ações afirmativas constituem-se em políticas de combate ao racismo e à discriminação racial mediante a promoção ativa da igualdade de oportunidades para todos, criando meios para que as pessoas pertencentes a grupos socialmente discriminados possam competir em mesmas condições na sociedade. Trata-se de uma transformação de caráter político, cultural e pedagógico. Ao implementá-las, o Estado, o campo da educação e os formuladores de políticas públicas saem do lugar de suposta neutralidade na aplicação das políticas sociais e passam a considerar a importância de fatores como sexo, raça e cor nos critérios de seleção existentes na sociedade. Apesar destas e de outras iniciativas, é difícil afirmar que a sociedade brasileira possui um compromisso com a diminuição das desigualdades raciais. A maioria das pessoas simplesmente se recusa a levar raça em conta, quando são consideradas as causas da pobreza e da falta de oportunidades. Entretanto, existe a percepção de que a maioria dos pretos e pardos são pobres, e de que a maioria dos pobres são pretos e pardos. Essa percepção pode transformar-se em um ponto de partida para sugerir a adoção de medidas específicas a alguns grupos. Um dos principais fatores que influenciarão o sucesso de nossos programas de ação afirmativa, é sem dúvida, a existência de um consenso cada vez maior sobre a necessidade de políticas deste tipo. O compromisso da sociedade (brancos e negros) com a execução destas políticas será proporcional ao sucesso que as mesmas possam vir a ter. Ao adotar qualquer tipo de programa de ação afirmativa no Brasil, nós devemos evitar a suspeita de padrões reduzidos ao empregar ou selecionar, e buscar um forte apoio da opinião pública. Este não poder ser visto apenas como um “tema negro”, mas um meio de se buscar uma sociedade mais justa e igualitária.

 

Candeia – Na atualidade, há quem aponte retrocessos vivenciados no país em relação às políticas públicas para a redução da desigualdade racial. A senhora concorda com esta análise?

Clarina Genaro – Sim. Em geral, acho que o governo brasileiro não tem demonstrado o compromisso necessário para reduzir a desigualdade racial nas suas diversas instâncias. Mesmo nos planos executados, encontram-se recursos materiais e humanos insuficientes para garantir o seu bom funcionamento. Também há evidências de que muitos técnicos e funcionários carecem da descontinuidade e sensibilidade de seus planos para incorporar o combate à desigualdade e discriminação racial em seu cotidiano de trabalho.