Composição 1_1
Composição 1_1

Danieli Munhoz

 

“Com a criação da LAV, entidade passa a atuar no cuidado individualizado, proteção integral, ressignificação da história de vida e garantia de acesso às demais políticas públicas”

 

A LAV (Lar Amor e Vida) de Bariri, antiga Casa Abrigo, completou 29 anos no dia 26 de setembro. Na época, a sociedade civil, Pastoral Familiar e Poder Judiciário decidiram atuar no enfrentamento de problemas de crianças e adolescentes que eram negligenciadas em seu núcleo familiar. Para falar a respeito da criação da instituição e de mudanças ao longo dos anos, o Candeia entrevista a dirigente e tesoureira da LAV, Danieli Munhoz, 36 anos. Ela se formou em Administração de Empresas pela Universidade do Sagrado Coração (USC-Bauru) em 2010 e, desde então, atua na área comercial na empresa da família, Móveis João Luis. É voluntaria na LAV desde 2018. Foi diretora de Patrimônio no biênio 2018-2019 e presidente entre 2020 e 2023.

 

Candeia – A LAV completou 29 anos de existência em Bariri no dia 26 de setembro. Nesse período, quais os maiores desafios na manutenção do trabalho?

Danieli Munhoz – Os maiores desafios inerentes ao serviço de acolhimento institucional são: financeiros, tendo em vista a complexidade pertinente à manutenção de uma casa com capacidade para 20 crianças e adolescentes de 0 a 18 anos de idade compartilhando um mesmo ambiente; manutenção frequente relacionada à infraestrutura, manutenção predial e de equipamentos tendo em vista desgaste pelo uso; composição de recursos humanos para o desempenho do trabalho direto com as crianças e adolescentes, tendo em vista baixa escolaridade, falta de comprometimento e qualificação; presença de discriminação por parte de serviços e sociedade diante de determinadas características inerentes aos acolhidos; é desafiador e intenso lidar com as particularidades dos acolhidos, onde são naturalizados os comportamentos agressivos e sexualizados, inclusive em detrimento da intensa demanda de trabalho; garantir direitos de acesso aos demais equipamentos; visão distorcida dos demais serviços que não compreendem a importância dos acolhidos estarem inseridos em atividades e serviços de convivência comunitária enquanto direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 

Candeia – Recentemente, decisão judicial aumentou o repasse financeiro da Prefeitura de Bariri para a entidade. Esse reajuste é suficiente?

Danieli Munhoz – Desde 2021 a entidade vinha passando por sérias dificuldades financeiras por conta do repasse insuficiente. Como estratégia, a OSC buscou parcerias com outros municípios vizinhos e concomitantemente a isso – e a partir de pesquisas junto a outros serviços de acolhimento de referência – chegou-se a premente necessidade de se estabelecer um valor per capita das vagas de acolhimento para que fosse possível proporcionar um serviço adequado e de qualidade. Como os demais municípios parceiros vinham honrando o compromisso com o pagamento dos valores adequados por vaga, o Ministério Público, em inspeção de rotina no serviço, apontou a necessidade de equiparação no repasse por parte do convênio com Bariri que vinha repassando 1/3 do valor per capita. A partir da decisão judicial, em maio deste ano, a Prefeitura de Bariri passou a pagar o valor adequado, suficiente para o pagamento dos custos fixos, o que contribuiu com a qualidade dos serviços ofertados.

 

Candeia – Quando e por que houve a mudança de Casa Abrigo para LAV?

Danieli Munhoz – O acolhimento institucional, anteriormente denominado abrigamento em entidade, é uma das medidas de proteção previstas pela Lei Federal nº 9.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), aplicáveis a crianças e adolescentes sempre que os direitos reconhecidos naquela lei forem ameaçados ou violados, ou seja, em decorrência de violação de direitos (abandono, negligência, violência) ou pela impossibilidade de cuidado e proteção por sua família. Com o ECA e a Lei Federal nº 12.010/2009 – Nova Lei de Adoção – houve uma profunda mudança no abrigamento, que passou a ser denominado acolhimento institucional. A partir de 2009, o afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar tornou-se competência exclusiva do juiz de direito. Concomitantemente a isso, começa a ser construído o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente com o objetivo de efetivar a proteção em todas as dimensões. Portanto, o encaminhamento de crianças e adolescentes às instituições de acolhimento institucional, governamentais ou particulares, passou a depender da expedição de uma guia de acolhimento, por parte da autoridade judiciária. Em 2016, com a necessidade da mudança da nomenclatura, a entidade passa a ser chamada de LAV – Lar, Amor e Vida e também ocorrem mudanças fundamentais nas práticas do acolhimento onde a prioridade deixa de “ser casa, comida e roupa lavada” e passa a ser o cuidado individualizado, proteção integral, ressignificação da história de vida e garantia de acesso às demais políticas públicas, e com isso foi preconizado número máximo de 20 acolhidos. Com as vivências de acolhimento, atualmente esse número também tem sido revisto.

 

Candeia – A Casa Abrigo foi criada para prestação de serviços de acolhimento institucional. Em que casos o atendimento ocorre por determinação judicial?

Danieli Munhoz – A Casa Abrigo foi constituída em 26 de setembro de 1995. É uma entidade de caráter social, com personalidade jurídica própria sem fins lucrativos. É um segmento da sociedade civil, que nasceu do engajamento da Pastoral Familiar e pessoas participantes de grupos religiosos, em parceria com o Poder Judiciário local que, preocupados com a situação de risco pessoal e social, uniram esforços para minimizar a problemática, de crianças e adolescentes que eram negligenciadas em seu núcleo familiar, onde geralmente acontecia a prática habitual do uso de bebida alcoólica, entorpecentes atos de agressão física e psicológica, rejeição ou até o abandono dos seus membros, sendo necessária a interrupção temporária do convívio familiar. Com o avanço das políticas públicas, a Assistência Social torna-se então uma política não contributiva, não compensatória se desvinculando da caridade e passando a atender de quem dela necessitar por meio de benefícios e serviços, sendo afiançadora dos direitos sociais. Importante ressaltar que com a pressão da sociedade civil surgiram os movimentos sociais e desde então a assistência assumiu o caráter de política social pública, direito do cidadão e responsabilidade do Estado. O acolhimento institucional é provisório e excepcional para crianças e adolescentes de ambos os sexos, inclusive crianças e adolescentes com deficiência, sob medida protetiva (art. 98 do ECA) e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontram-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção.

 

Candeia – Como é realizado esse trabalho no dia a dia?

Danieli Munhoz – No dia a dia os acolhimentos ocorrem a partir do trabalho executado pelo Sistema de Garantia de Direitos, que ao detectar situações em que crianças e adolescentes estejam sob risco social e pessoal, são esgotadas todas as possibilidades de inserção em família extensa enquanto forma segura de garantir seus cuidados e evitar o acolhimento institucional. Quando esgotadas essas possibilidades, a criança e/ou adolescente são encaminhados ao acolhimento enquanto medida de proteção social. Todos os casos devem ser encaminhados ao acolhimento mediante determinação judicial, contudo há situações em que ocorrem os acolhimentos emergenciais, que de qualquer forma estarão condicionados há urgente autorização judicial, caso o magistrado determine a manutenção desse acolhimento. Com o acolhimento e equipe técnica, juntamente com o Sistema de Garantia de Direitos do município devem empenhar esforços no sentido de garantir à criança e adolescente o acesso às diversas políticas públicas como documentação, saúde, educação, convivência comunitária e familiar, esporte, lazer, cultura e outros.

 

Candeia – Desde maio de 2022 a entidade passou a atuar nos programas de serviço de convivência e fortalecimento de vínculos e medida socioeducativa em meio aberto. Qual a avaliação desses serviços?

Danieli Munhoz – A LAV, enquanto entidade sem fins lucrativos, desempenha suas atividades com investimento na infância e pensando nas possibilidades diversas de acessos. A execução desses serviços alcança mais 200 crianças e adolescentes aos quais serão garantidos o acesso às atividades ofertadas e a devolução do resultado do trabalho executado à sociedade. Proporciona equipe técnica exclusiva para execução desses serviços, contando com o trabalho em rede para garantir o seguimento com relação ao que é preconizado nas orientações técnicas. Significativo aumento no quadro de recursos humanos da LAV para a execução dos serviços, culminando na geração de empregos, contribuindo assim com o desenvolvimento da sociedade. Vale ressaltar que, nos últimos dois anos em que a OSC executa os serviços houve uma economia aproximada de R$ 350.000,00 para os cofres públicos.

 

Candeia – Outra novidade é a proposta de criação da Família Acolhedora. Como está o andamento dessa iniciativa? Em relação ao projeto de lei que trata do assunto, houve arquivamento da matéria na Câmara Municipal. Em sua opinião, é preciso regulamentar o serviço em Bariri?

Danieli Munhoz – O Serviço de Família Acolhedora (FA) encontra-se em fase de implantação, que consiste na sensibilização da rede de proteção, capacitações da equipe, divulgações para a sociedade civil, estabelecimento de fluxos e protocolos de atendimento e captação de famílias acolhedoras interessadas. O serviço consiste em uma nova política pública no município e precisará de um tempo para se consolidar. O projeto de lei foi arquivado na Câmara Municipal atendendo solicitação da comissão de implantação da FA, devido ao período eleitoral e a necessidade de tramitar via Poder Executivo. Nas orientações técnicas preconizam-se a necessidade de lei municipal que detalhe o funcionamento do serviço, tornando imprescindível a regulamentação devido a importância do estabelecimento do repasse financeiro às famílias, enquanto subsidio e o envolvimento responsável da sociedade civil que se cadastra com interesse em ser família acolhedora.