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Wellington José Jorge – “Pesquisas mostram que durante as epidemias o número de pessoas cuja saúde mental é afetada tende a ser maior que o número de pessoas afetadas pela infecção”.

 

O médico especializado em geriatria Wellington José Jorge conta como tem sido a rotina de atendimentos durante a pandemia, e orienta sobre as ações necessárias para manter a saúde física e mental durante o período de confinamento. Wellington é formado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1982, com especialização em Urologia pela Universidade Gama Filho-RJ e título de especialista em ultrassonografia pela Associação Médica Brasileira (AMB). Ele fez cursos de especialização em geriatria pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de especialização em fisiologia do exercício e treinamento resistido na saúde, na doença e no envelhecimento pela Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de USP e de especialização em ortomolecular com o professor doutor Victor Mattos no Rio de Janeiro.

 

Candeia – Qual sua análise sobre a pandemia do novo coronavírus?

Wellington – Desde o final de dezembro do ano passado, todos nós começamos a ver, pelos noticiários da televisão, o aparecimento de uma série de casos de pneumonia de causa desconhecida, na cidade chinesa Wuhan, com uma população de 11 milhões de pessoas e que já havia 40 pessoas com um quadro clínico dessa pneumonia. Em janeiro as autoridades chinesas e a OMS (Organização Mundial de Saúde) anunciaram as primeiras análises sequenciais do vírus e que indicavam que a causa dessas pneumonias seria por um novo coronavírus. O vírus foi denominado com o nome de Sars-Cov-2, e causava febre, tosse, dificuldade respiratória e podia evoluir para pneumonia. Em 11 de janeiro foi noticiada a primeira morte pela Covid-19 de um homem de 61 anos, que havia feito compras no mercado de frutos do mar de Wuhan e que tinha morrido de complicações por causa de uma pneumonia. Até, então, tudo parecia que era um problema somente do governo chinês, quando no dia 13 de janeiro foi notificado na Tailândia o primeiro caso de uma mulher com pneumonia fora da China. Após, casos foram identificados no Japão, França, Alemanha, Austrália. Devido à rápida disseminação pelo mundo, a OMS decretou emergência de saúde pública de interesse internacional no final de janeiro. Em fevereiro, vimos pela televisão, a China informando o número de mortes por Covid-19, que já tinha atingido 811 pessoas. Vimos, também, a repatriação de trinta e quatro brasileiros que viviam em Wuhan. No final de fevereiro foi confirmado o primeiro caso brasileiro de um homem de 61 anos que tinha vindo da Itália. Em março os canais de televisão noticiavam por 24 horas os números de casos de infecção pelo coronavírus Sars-Cov-2 em todo o mundo e o total de mortes que já superava 3,4 mil. Vimos países fechando a sua fronteira e populações sendo colocadas em quarentena. A Itália, país do qual a maioria de nós baririenses somos descendentes, superava a China em números de mortos.

 

Candeia – Que aspectos relacionados à Covid-19 o senhor tem observado em seu atendimento diário?

Wellington – No final de março, após o carnaval, em que vieram turistas do mundo todo para o Brasil, o que ainda parecia um filme de ficção cientifica torna-se realidade e é decretado no Estado de São Paulo e na cidade do Rio de Janeiro medidas de contenção com fechamento do comércio não essencial e restrição à circulação de pessoas, além do fechamento de escolas. A partir daí as palavras que mais ouvíamos na televisão foram: “fiquem em casa”, “lockdown”, “o número de mortes em 24 horas foi de…”, “cloroquina”, “hidroxicloroquina”, “não tem evidencia científica”, “compramos 38 mil urnas funerárias e abrimos 13 mil valas para enterrar mortos por Covid-19”, “usem máscaras”, “álcool gel”, “é uma simples gripezinha”. Nós, que somos simples mortais e que já estamos dentro de casa tentando nos defender de bandidos, com cerca elétrica, câmeras de vídeo, alarmes, cães de guarda, nos vemos agora diante de um vírus mortal. Uma sensação de prisão, que perdemos um mundo maravilhoso lá fora e cheio de vida, agora só nos resta esperar a morte chegar. Imaginemos as pessoas que já estão aposentadas, os enfermos, pessoas que foram obrigadas a parar de trabalhar por ter mais de 60 anos, vendo o dia todo, através da televisão, só notícias catastróficas. Medo, preocupação e insegurança, o medo da superlotação de hospitais e não poder ser atendido a tempo, transtornos como depressão e ansiedade fora de controle acompanhada de sensações físicas, como tremor, aperto no peito ou no abdômen, fraqueza nas pernas, respiração alterada, falta de ar, coração acelerado e outras. Fiz várias consultas nas residências de pacientes que estavam com medo de vir ao meu consultório e se contaminar e ouvi deles: “e se eu contrair a doença?”, “e se alguém da minha família não se salvar?”, “o senhor não está contaminando o chão da minha casa com os seus sapatos?” Parece que esse medo nos fez perder o controle do gerenciamento sobre a nossa própria vida. Perdemos a autonomia e a liberdade de decidir ficar ou não em casa. Em um artigo retirado de uma revista de psiquiatria, as pesquisas mostram que durante as epidemias o número de pessoas cuja saúde mental é afetada tende a ser maior que o número de pessoas afetadas pela infecção.

 

Candeia – Por que os idosos são mais vulneráveis à Covid-19?

Wellington – Com o envelhecimento, o nosso sistema de defesa, o sistema imunológico, começa a se deteriorar – é o que chamamos de imunossenescência. Essa alteração em si já aumenta a incidência e a gravidade de doenças infecciosas, sejam elas causadas por bactérias ou vírus. As pessoas que estão no chamado grupo de risco, que são pessoas mais idosas, diabéticos, hipertensos, pessoas com problemas cardíacos, asmáticos, fumantes e doentes renais, estão mais vulneráveis a contrair a forma mais grave da doença. Essa depressão do sistema imunológico faz com que o corpo demore para criar um sistema de defesa e isso dá ao vírus a oportunidade de se espalhar antes que as defesas do organismo consigam agir, aumentando as chances de agravamento dos sintomas que podem levar o paciente a óbito. Um alerta precisa ser dado aos cuidadores e aos familiares que cuidam ou que estão próximas dessas pessoas: redobrem a atenção com as próprias mãos, roupas e sapatos antes de entrar em casa. Estatísticas feitas nos Estados Unidos mostraram que cerca de 80% das pessoas que foram internadas pelo Covid-19 vieram das que estavam em quarentena.

 

Candeia – Há algum complicador adicional o fato de estarmos no inverno, estação mais fria do ano?

Wellington – Um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, comparou a velocidade de crescimento da epidemia nas regiões frias e quentes. Os dados foram colhidos até 21 de março, época em que o Brasil apresentava menos de mil casos de Covid-19 e mostrou que a doença parece se espalhar mais lentamente em países onde a temperatura é mais elevada. Em países como a Austrália, que estavam no verão, a curva subiu mais lentamente. Em locais como Itália e Irã, certas regiões da China e Estados Unidos, onde a temperatura variou entre 3º e 17° Celsius, os surtos foram mais severos. Segundo, ainda, os autores, cerca de 90% dos casos de Covid-19 registrados no planeta são de áreas onde a média atual é de até 11°C. Artigos chineses publicados também mostram esse mesmo comportamento baseado em suposições feitas no comportamento de outros vírus da família do coronavírus, que causam gripes e resfriados mais leves. O trabalho usou dados de temperatura e umidade de estações meteorológicas e do histórico de contaminação dos pacientes na China para analisar a relação entre eles. Esse cenário de melhora no controle da pandemia no Hemisfério Norte com a chegada das estações mais quentes não nos dá uma visão otimista para o Hemisfério Sul, já que estamos agora no inverno.

 

Candeia – Que orientações o senhor dá para que os idosos passem pela quarentena sem complicações físicas e mentais?

Wellington – Segundo alguns psicólogos, se perdemos a rotina, perdemos nosso leme. Mas eis que também somos capazes de nos adaptar e muito bem. Achar algo positivo nas mudanças e intercorrências da vida gera tranquilidade e afastamento de pensamentos negativos, tornando a passagem por turbulências mais amenas. Um dos fatores mais importantes, ao meu ver, é limitar a exposição às notícias relacionadas a pandemia, pois muita informação pode desencadear distúrbios de ansiedade. É preciso ter acesso a informações fidedignas sobre o que acontece com o coronavírus. Porque são muitas informações e nem todas são verdadeiras ou que podemos fazer bom uso. Mantenham o uso normal de medicamentos prescritos. Estresse e medo são normais em situações desconhecidas. Manter padrões adequados de nutrição e sono. Não adianta dormir o dia todo ou não dormir. Ler um bom livro. Voltar a tocar um instrumento musical, que ficou esquecido. O isolamento é um desafio emocional e é preciso que os familiares tenham paciência com os mais velhos, conversem com eles, relembrem o passado. Nós, enquanto família, simbolizamos um elo muito importante na manutenção emocional dessas pessoas.

 

Candeia – Quais os cuidados com a alimentação nesse período de quarentena?

Wellington – É preciso optar por alimentos mais naturais dentro de casa, não só em época de pandemia, mas também para uma vida mais saudável. É preciso tomar cuidado, pois a ansiedade pode levar às pessoas comerem compulsivamente.Quando estamos em uma situação que gera insegurança, nós podemos exagerar na alimentação e procurar na comida algo que nos traga mais conforto. Evitem produtos industrializados. Fuja dos produtos ultraprocessados como salgadinhos, refrigerantes e biscoitos, pois eles contêm muita gordura vegetal hidrogenada, sal e açúcar. Importante cuidar da hidratação do nosso corpo. Tomem bastante liquido. Em torno de 1,5 litro a 2 litros pelo menos por dia. Usem chás como o de camomila, hortelã, erva-doce e erva-cidreira. Como precisamos respeitar o isolamento é preciso planejar as compras para não ir a todo momento ao supermercado. Se precisar ir, use mascaras. Todo alimento deve ser higienizado. Embalagens como as latas, garrafas de plásticos e de vidros devem ser lavados com água e sabão ou borrife álcool a 70%.

 

Candeia – Qual a importância da atividade física para o grupo nessa faixa etária? Que exercícios devem ser priorizados? É possível que sejam feitos mesmo dentro de casa?

Wellington – Os exercícios físicos não são importantes somente durante uma pandemia. Mais do que uma preocupação com a estética, eles são importantes para uma boa saúde em geral. O ser humano não foi criado para ser sedentário. Se nós olharmos para trás, o homem primitivo tinha que acordar todo dia e ir a caça para se alimentar e geneticamente nós somos muito semelhante a eles. Temos hoje na internet vários vídeos de exercícios que podem ser feitos dentro de casa. Bastam 20 a 30 minutos diários. Eles podem melhorar a ansiedade, a depressão, o nervosismo, o sono. O exercício fortalece o sistema imunológico, fazendo com o que o corpo seja mais eficaz, produzindo respostas mais rápidas à organismos invasores, como a Covid-19.