Composição 1_1

Tammy Marchiori

“O enfrentamento de conflitos, desastres, violência, abusos ou perdas e um senso de isolamento estão fortemente associados com o comportamento suicida”

Setembro Amarelo é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015. É uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). O mês de setembro foi escolhido para a campanha porque, desde 2003, o dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Para tratar do assunto, o Candeia entrevistou a neuropsicóloga Tammy Marchiori, com consultório em São Paulo. Segundo ela, familiares e amigos precisam ficar atentos porque o suicídio pode e deve ser prevenido. “Se algo está atrapalhando a qualidade de vida, procure ajuda”, comenta ela. Tammy é psicóloga, especializada em neuropsicologia e integra a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. Possui experiência clínica focada na avaliação das funções cognitivas, investigação e análise de atuações, habilidades e comportamentos. Seu atendimento é baseado em compreender profundamente o ser humano e utilizar conhecimentos para traçar o melhor tratamento.

Candeia – Em que posição o Brasil aparece no ranking mundial de suicídios? Em sua opinião, que fatores ajudam a explicar essa realidade?
Tammy – O Brasil aparece na oitava posição em número de suicídios, com cerca de 12 mil mortes por ano, segundo relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O enfrentamento de conflitos, desastres, violência, abusos ou perdas e um senso de isolamento estão fortemente associados com o comportamento suicida. Também é importante destacar que a maior prevalência de suicídio, cerca de 79%, acontece entre indivíduos com renda baixa ou média, relacionando a influencia da classe social nesse fenômeno. Ou seja, podemos pensar que a crise econômica instalada em nosso País, resultando em grandes problemas sociais, está ligada ao crescimento do número de suicídios.

Candeia – Há determinado público ou faixa etária mais suscetíveis ao suicídio? E quais doenças devem ser vistas como potencializadoras de suicídio?
Tammy – Segundo pesquisas realizadas pela OMS, os fatores mais alarmantes relacionados ao suicídio são os transtornos mentais (depressão, abuso de álcool e outros), dificuldades em lidar com estresse da vida, como, por exemplo, problemas financeiros, términos de relacionamento ou dores crônicas e doenças. As taxas de suicídio também são elevadas em grupos vulneráveis que sofrem discriminação, como refugiados e migrantes, indígenas, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) e pessoas privadas de liberdade. O fator de risco mais relevante para o suicídio é a tentativa anterior. E o suicídio pode ocorrer durante todo o curso de vida, e foi a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo no ano de 2016.

Candeia – Existe alguma relação do suicídio com o avanço das tecnologias, em que muitas pessoas trocam as relações familiares e com amigos por um maior isolamento?
Tammy – Sim, essa relação está sendo estudada atualmente. Destaco dois estudos nesse sentido: o primeiro realizado pela Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, que demonstrou que adolescentes mais expostos a tecnologia apresentaram menores níveis de autoestima, sentimento de realização e felicidade. Isso pode ser explicado pela alta exposição da vida de todos, levando um adolescente, que naturalmente ainda não amadureceu, a se comparar demasiadamente aos outros, se sentindo inferior. O segundo estudo, realizado pela Universidade de Oxford, sinalizou a existência de sites, blogs e outras plataformas que incentivam práticas de automutilação e suicídio, indicando uma relação direta entre o suicídio e o uso da tecnologia como facilitadora. Além desses fatores citados, o isolamento e certa alienação que podem estar associados ao uso indiscriminado da tecnologia são fatores de agravamento, que em conjunto com outros aspectos (doenças, hábitos de vida, problemas econômicos e sociais e etc) podem levar ao suicídio.

Candeia – A questão das redes sociais ajuda por permitir maior troca de informações ou prejudica por expor pessoas e familiares vítimas de situações constrangedoras?
Tammy – Tudo na vida pode ser maléfico ou benéfico, dependendo da quantidade e do equilíbrio. Com a tecnologia, o princípio é o mesmo. As redes sociais trazem benefícios e uma interação social quase imediata, independente da distância. Pode conectar pessoas e culturas diversas. Porém, viver em função disso, se esquecendo do mundo físico, acreditando em tudo que outras pessoas publicam, e se colocando em posição de ser julgado (por likes ou por comentários) pode ser devastador. Os adolescentes, em sua maioria, não têm a maturidade e o discernimento para lidar com certas frustrações, colocando cada problema em uma lupa.

Candeia – Quando é preciso procurar ajuda com especialistas?
Tammy – Notando qualquer mudança de comportamento ou relato da escola ou dos amigos, procure ajuda. Ainda que você não compreenda o que está acontecendo, peque pelo excesso. O suicídio pode e deve ser prevenido. Se algo está atrapalhando a qualidade de vida, procure ajuda.

Candeia – Quais são os sintomas de alguém que pensa em cometer suicídio?
Tammy – Não existem sinais claros, que todos apresentem. Algumas pessoas podem apresentar todos esses sinais, outras apenas alguns, outras não apresentam sinais claros. Mas os mais comuns que podemos destacar são o aparecimento ou agravamento de problemas de conduta ou de manifestações verbais durante pelo menos duas semanas (essas manifestações não devem ser interpretadas como ameaças nem como chantagens emocionais, mas sim como avisos de alerta para um risco real), preocupação com sua própria morte ou falta de esperança, expressão de ideias ou de intenções suicidas (exemplos: “vou desaparecer”; “vou deixar vocês em paz”; “eu queria poder dormir e nunca mais acordar”; “é inútil tentar fazer algo para mudar, eu só quero me matar”) e isolamento.

Candeia – De que forma a família pode ajudar?
Tammy – Encontre um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com essa pessoa. Deixe-a saber que você está lá para ouvir, ouça-a com a mente aberta e ofereça seu apoio. Incentive a pessoa a procurar ajuda de profissionais de serviços de saúde, de saúde mental, de emergência ou apoio em algum serviço público. Ofereça-se para acompanhá-la a um atendimento. Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha. Procure ajuda de profissionais de serviços de saúde, de emergência e entre em contato com alguém de confiança, indicado pela própria pessoa. Se a pessoa com quem você está preocupado vive com você, assegure-se de que ele não tenha acesso a meios para provocar a própria morte (por exemplo, pesticidas, armas de fogo ou medicamentos) em casa. Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo.

Candeia – Que papel a religião pode desempenhar em pessoas que pensam no suicídio?
Tammy – Em geral, as religiões não são a favor do ato de tirar a própria vida. Algumas citam até algum tipo de punição para quem tomar essa atitude. A fé e a crença têm dois lados: a pessoa pode não cometer o suicídio por receio do que virá depois, por não ter o direito de acabar com a própria vida ou por se preocupar com o que acontecerá com os familiares. Ou, em alguns casos a pessoa crê que irá descansar, irá encontrar entes queridos e irá ter mais apoio, conseguindo findar o problema que está passando. De qualquer forma, é importante ter em mente que o suicídio é um ato permanente para um problema que é temporário. Precisamos apoiar as pessoas que passam por momentos difíceis.