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José Paulo Nardone – “Não há sentido o poder público divulgar suas ações se a sociedade não acompanha, não fiscaliza ou tampouco avalia se está sendo dado atendimento às demandas”

 

Recentemente o presidente Jair Bolsonaro sancionou a nova Lei de Licitações, trazendo consolidação de legislações anteriores num único texto. Para explicar o alcance da norma, o Candeia entrevista nesta edição o diretor da Unidade Regional (UR) de Bauru do Tribunal de Contas do Estado (TCE), José Paulo Nardone. Ele destaca a simplificação dos procedimentos e a extinção de modalidades licitatórias, como o Convite e a Tomada de Preços. Para ele, os órgãos públicos, especialmente de pequenas e médias cidades, devem se atentar à necessidade de profissionalização dos servidores para que estejam aptos a conhecer e bem aplicar os novos regramentos. Nardone ingressou no órgão em 1998 no cargo de agente fiscal. Atuou na regional de Marília, onde ocupou o cargo de chefe de equipe de fiscalização. Em seguida, foi convidado a assumir a direção da UR de Registro em 2007. Transferido em janeiro de 2009, assumiu a UR de Bauru, onde permanece até o momento.

 

Candeia – Quais as principais alterações trazidas pela nova Lei de Licitações?

Nardone – São muitas as inovações trazidas pela nova legislação. Inicialmente eu destacaria aquelas voltadas principalmente para aspectos envolvendo a simplificação de procedimentos, como é o caso da inversão de fases, tal qual já funciona atualmente para o pregão, mas que passará a valer também para a concorrência; a utilização da tecnologia da informação é ampliada, como se vê especialmente do Portal Nacional de Contratações Públicas, obrigatório para algumas funções e opcional para outros. A questão da transparência também se torna ainda mais valorizada e não podemos deixar de mencionar a extinção de modalidades licitatórias, como o Convite e a Tomada de Preços, ao passo que foi criada uma nova modalidade, o Diálogo Competitivo, voltado a contratações para obras e projetos mais complexos, em que o poder público buscará melhores alternativas de projeto e de opções de solução junto a interessados, traçando um verdadeiro diálogo prévio com os mesmos. Por fim, foi estabelecido o período de “test drive”, digamos assim, de dois anos em que coexistirão a nova e a anterior legislação, em que os órgãos públicos poderão optar por qual dos regramentos irão utilizar para suas contratações, enquanto deverão buscar se estruturar para atender às demandas que a nova legislação traz consigo. Essas são apenas algumas das inovações que podemos destacar. Há inúmeras outras situações e novidades que aos poucos irão sendo incorporadas ao novo cotidiano dos procedimentos envolvendo as regras de contratações públicas recentemente sancionadas.

 

Candeia – As legislações até então em vigor foram sancionadas em 1993, 2002 e 2011. Em sua opinião, desse tempo para cá em que aspectos as normas legais tinham de avançar?

Nardone – São inúmeros os aspectos que necessitavam de ajustes e atualização. Um deles, o da simplificação e racionalização de procedimentos, adotando-se a regra até então aplicada apenas ao pregão, onde primeiro se analisa e escolhe a melhor proposta e só depois disso se passa a avaliar as condições e requisitos dos licitantes. Essa regra já valia para o pregão e passou a se estender às demais modalidades e se trata de um avanço em direção à racionalização. Regras voltadas à utilização da tecnologia da informação, com preferência para procedimentos eletrônicos, sem dúvida emprestam maior transparência aos procedimentos, reduzindo possibilidades de equívocos. Por fim, a própria consolidação em apenas uma legislação de todo o arcabouço jurídico que regula as licitações e as contratações públicas facilita a atuação dos envolvidos no processo, tanto contratantes quantos os interessados em contratar com o poder público. É mais um avanço, sem dúvida.

 

Candeia – O senhor observa algumas implicações específicas para municípios de pequeno e médio portes com a entrada em vigor da nova lei?

Nardone – Sim. Eu destacaria como principal a necessidade de se profissionalizar o órgão público, aprimorar a capacitar, construir condições e estrutura, tanto técnica quanto de quadros profissionais, com servidores aptos a conhecer e bem aplicar os novos regramentos. Com a nova lei, a evolução tecnológica assume papel crucial no processamento das atividades e passa a haver a figura do Agente de Contratação, profissional treinado, qualificado e capacitado para levar adiante as contratações públicas. Servidor efetivo, “de carreira”, com vínculos duradouros com o ente público. Essa profissionalização deverá proporcionar melhores resultados, maior comprometimento e elevação da qualidade do corpo técnico do setor de compras e contratações, especialmente no contexto dos pequenos e médios municípios. O gestor público precisa entender que tudo começa com uma boa compra, contratação, aquisição. A partir daí, com economia e eficiência, passa-se a fazer mais com menos, sobrando recursos para atender a um maior número e diversidade de demandas da coletividade. A profissionalização e a estruturação do setor de contratações só contribuirão nessa tarefa.

 

Candeia – A nova legislação traz que alterações ao prestador de serviço ou fornecedor de material junto ao poder público?

Nardone – Estes interessados em contratar com o poder público precisam conhecer e reconhecer seu papel, qual seja, ver-se como um parceiro da administração. Parceiro é aquele que faz o melhor possível sem se prejudicar, busca as melhores condições de contratação para ambas as partes, com equilíbrio na relação, firmando-se como alguém que compartilha da intenção de atender às necessidades públicas, fornecendo bens ou prestando serviços ao poder público para melhor atendê-lo e sendo remunerado justamente por isto. Este é o princípio. A partir daí, haverá a necessidade de estar em dia com suas obrigações fiscais, previdenciárias, trabalhistas e atender aos requisitos de capacidade técnica para realização do objeto contratado. Isso não muda muito, talvez com alterações nos prazos de apresentação da documentação, questões envolvendo garantias de contratação (valores mais elevados), entre outras.

 

Candeia – Como o senhor analisa o veto do presidente Jair Bolsonaro quanto à determinação de publicação de contratações públicas e de editais de licitação em jornal de grande circulação?

Nardone – Os vetos devem ser justificados pelo Poder Executivo. Neste caso, o que se vê é a clara opção pela divulgação em sítios eletrônicos, inclusive com indicação de que esta opção proporciona significativa economia na contratação de tais veículos de comunicação de grande circulação.

 

Candeia – Para o trabalho de fiscalização do Tribunal de Contas do Estado, quais as mudanças com a nova legislação?

Nardone – O Tribunal de Conas do Estado de São Paulo continua sendo o órgão responsável pelo controle externo tanto do governo do estado, como dos 644 municípios (exceção é a cidade de São Paulo, cuja fiscalização compete ao TCMSP). Especificamente em relação às licitações e contratos, as análises de Representações contra Editais de Licitações, por serem antecedentes, podem ser analisadas como Exames Prévios de Editais e sob a nova legislação, passam a observar prazos e regras próprias, mas sem perder o cerne da abordagem, ou seja, analisar eventuais impropriedades dos editais de licitação, a tempo de serem ajustados. No mais, em nossas demais ações de fiscalização, permanecem as demais competências de avaliação da legalidade, economicidade e regularidade das contratações públicas, inclusive avaliando a sua efetividade, ou seja, se de fato se prestaram a atender os objetivos de atendimento à comunidade, pois não basta contratar bem, pagar um preço justo e não haver irregularidades no procedimento de contratação, se o resultado dessa contratação não atendeu ao interesse público, se as crianças não consomem o gênero da merenda, se sistema informatizado não é compatível com os equipamentos ou se a nova creche foi construída numa região em que não existe demanda. Estamos dedicando muita atenção também a estes aspectos durante nossos trabalhos.

 

Candeia – Em que aspectos a população deve estar atenta nas licitações realizadas pelos órgãos públicos, em especial, as prefeituras?

Nardone – Atualmente o Princípio da Transparência recebe destaque na legislação justamente para permitir o acompanhamento e controle social. Quanto mais desenvolvida uma sociedade, maior sua participação no acompanhamento das ações dos gestores públicos e esse é um dos objetivos que se lê da nova legislação. Não há sentido o poder público divulgar suas ações se a sociedade não acompanha, não fiscaliza ou tampouco avalia se está sendo dado atendimento às demandas. Os órgãos de controle externo vêm buscando se aprimorar no seu trabalho de acompanhamento, não apenas das contratações públicas, mas de todos os atos e ações dos gestores, buscando evitar equívocos, corrigi-los ou buscar reparação e responsabilizações nas situações irreversíveis. Temos recebido muito investimento em capacitação dos nossos técnicos, recursos tecnológicos e parcerias com demais instituições envolvidas nas ações de controle. Entretanto, temos consciência que o controle social é absolutamente necessário a complementar nossas ações e atuando em sinergia, muito pode contribuir para a evolução e desenvolvimento da qualidade da gestão pública dos entes estatais.

 

Candeia – O TCE tem atuado também em constantes capacitações…

Nardone – O Tribunal atua fortemente no aspecto pedagógico, por meio da Escola de Contas Públicas, promovendo inúmeros cursos e capacitações, inclusive para o público externo, buscando informar e formar todos os interessados, não apenas na área de compras públicas, mas também repasses públicos para entidades, na área da educação, com o novo Fundeb, na área da saúde, relacionado ao enfrentamento da pandemia e enfim, tudo o que surgir de novo e envolver utilização de recursos públicos. Com canal próprio no Youtube para divulgação dos vídeos e materiais, a EPCP tem se destacado em tais ações e cursos esclarecendo as novidades relacionadas à nova Lei de Licitações têm sido disponibilizados com bastante frequência. O TCESP é parceiro da sociedade objetivando o aprimoramento do controle externo, tanto institucional, quanto social. Buscamos sinergia de ações, compartilhamento de informações e capacitação de todos os interessados, contribuindo assim para o pleno e efetivo exercício da cidadania nas nossas comunidades.