Composição 1_1
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Gabriela Prado Rodrigues

“Seria importante uma mobilização da comunidade pensando em serviços voluntários como carpintaria, vidraceiro, pintor, jardineiro, eletricista, dentre outros”

O Lar Amor e Vida (LAV), antiga Casa Abrigo, atualmente responde por três diferentes projetos. Quem os detalha é a coordenadora Gabriela Prado Rodrigues, 37 anos, nascida em São Paulo. Os programas são acolhimento institucional (nos moldes da então Casa Abrigo), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e medida socioeducativa em meio aberto. Gabriela fala também das fontes de recursos para o custeio dos serviços e a necessidade de colaboração da comunidade. Ela é Terapeuta Ocupacional, especialista em saúde pública, dependência química e saúde mental. Atuou brevemente no Lar Vicentino de Bariri, por quatro anos no Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, aproximadamente um ano na Apae de Bariri e 11 anos em São Paulo na parceria do Instituto de Responsabilidade Social do Hospital Israelita Albert Einstein e Prefeitura Municipal de São Paulo (SUS).

Candeia – O Lar Amor e Vida (LAV) sucedeu a antiga Casa Abrigo. Por que ocorreu essa alteração?

Gabriela – O acolhimento institucional, anteriormente denominado abrigamento em entidade, é uma das medidas de proteção previstas pela Lei Federal nº 9.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), aplicáveis a crianças e adolescentes sempre que os direitos reconhecidos naquela lei forem ameaçados ou violados, ou seja, em decorrência de violação de direitos (abandono, negligência, violência) ou pela impossibilidade de cuidado e proteção por sua família. Com o ECA e a Lei Federal nº 12.010/2009 – Nova Lei de Adoção –, houve uma profunda mudança no abrigamento, que passou a ser denominado acolhimento institucional. A partir de 2009, o afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar tornou-se competência exclusiva do juiz de direito. Concomitantemente a isso, começa a ser construído o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente com o objetivo de efetivar a proteção em todas as dimensões. Portanto, o encaminhamento de crianças e adolescentes às instituições de acolhimento institucional, governamentais ou particulares, passou a depender da expedição de uma guia de acolhimento, por parte da autoridade judiciária. Seguindo as orientações a partir de 2009, com a necessidade da mudança da nomenclatura, ocorre também mudanças fundamentais nas práticas do acolhimento onde a prioridade deixa de “ser casa, comida e roupa lavada” e passa a ser o cuidado individualizado, proteção integral, ressignificação da história de vida e garantia de acesso às demais políticas públicas, e com isso foi preconizado número máximo de 20 acolhidos. Com as vivências de acolhimento, atualmente esse número também tem sido revisto.

Candeia – Fale um pouco a respeito do acolhimento institucional na antiga Casa Abrigo.

Gabriela – A Casa Abrigo foi constituída em 26 de setembro de 1995. É uma entidade de caráter social, com personalidade jurídica própria sem fins lucrativos. É um segmento da sociedade civil, que nasceu do engajamento da Pastoral Familiar e pessoas participantes de grupos religiosos, em parceria com o Poder Judiciário local que, preocupados com a situação de risco pessoal e social, uniram esforços para minimizar a problemática, de crianças e adolescentes que eram negligenciadas em seu núcleo familiar, onde geralmente acontecia a prática habitual do uso de bebida alcoólica, entorpecentes atos de agressão física e psicológica, rejeição ou até o abandono dos seus membros, sendo necessária a interrupção temporária do convívio familiar. Com o avanço das políticas públicas, a assistência social torna-se então uma política não contributiva, não compensatória se desvinculando da caridade e passando a atender de quem dela necessitar por meio de benefícios e serviços, sendo afiançadora dos direitos sociais. Importante ressaltar que com a pressão da sociedade civil surgiram os movimentos sociais e desde então a assistência assumiu o caráter de política social pública, direito do cidadão e responsabilidade do Estado.

Candeia – Outro serviço prestado pelo LAV é o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no antigo prédio do Sesi. Qual o público atendido e de que forma o projeto é realizado?

Gabriela – O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) atende crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, de ambos os sexos, em situação de vulnerabilidade social, encaminhadas pelos serviços de proteção social básica e especial (Cras e Creas). A meta pactuada é atender até 200 crianças e adolescentes, com intervenções planejadas (oficinas esportivas, lúdicas, culturais e de lazer) que buscam estimular a integração e troca de experiências entre seus participantes, promovendo o respeito às diferenças, o autoconhecimento, a autoconfiança e a cidadania, assegurando assim o fortalecimento de vínculo e a convivência familiar e comunitária, bem como o desenvolvimento de seu protagonismo e autonomia, prevenindo a ocorrência de situações de risco social. A equipe é formada por coordenador, supervisor, assistente social, psicólogo e orientadores sociais que organizam o trabalho através de grupos, de acordo com o ciclo de vida. A OSC assumiu a execução do SCFV em meados de 2022 e, desde então, é responsável pelo mesmo, contudo, conta com a parceria do poder público, sendo este responsável pela manutenção e zeladoria do local, transporte dos usuários, fornecimento e preparo dos alimentos (merendeiras).

Candeia – O LAV atua, ainda, com medida socioeducativa em meio aberto. Como esse projeto é realizado no dia a dia?

Gabriela – O Serviço de Proteção Social de média complexidade atende adolescentes de 12 a 18 anos incompletos, ou jovens de 18 a 21 anos, em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), aplicada pela Justiça da Infância e da Juventude. O serviço é regulamentado pela Lei nº 12.594/2012 – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Desde meados de 2022 a OSC passou a executar o referido serviço. A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa. O desafio da sociedade é educar seus jovens, permitindo um desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e social quanto físico.

Candeia – Há um balizamento do ECA em relação ao projeto…

Gabriela – Sim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe responsabilização do adolescente que comete ato infracional com aplicação de medidas socioeducativas. O ECA não propõe impunidade. É adequado uma sociedade buscar corrigir a conduta dos seus cidadãos a partir de uma perspectiva educacional, principalmente em se tratando de adolescentes. O objetivo do serviço é prover o acompanhamento dos socioeducandos, a fim de criar estratégias de superação dos comportamentos infracionais, baseados em aspectos socioeducacionais, trazendo novas possibilidades do indivíduo e sua família se relacionarem individualmente, entre eles e com o mundo. O serviço conta com uma equipe composta por coordenador, supervisor/assistente social e psicólogo. É executado através de atendimentos individuais para acompanhamento, ações coletivas com os adolescentes e seus responsáveis, oficinas voltadas a temas que atendam as demandas dos próprios socioeducandos, visitas domiciliares e institucionais, articulação em rede socioassistencial e políticas públicas para assegurar efetividade no atendimento às demandas do adolescente em conflito com a lei e do seu grupo familiar e sua inserção em uma rede de proteção necessária para a potencialização das possibilidades de superação da situação vivida. O trabalho exige uma gestão mais complexa e articulada com a rede de assistência social, das outras políticas públicas, com o Poder Judiciário, Ministério Público, Conselhos Tutelares e outros órgãos de defesa de direitos e do Sistema de Garantia de Direitos.

Candeia – Quais as fontes de recursos do LAV para colocar em prática os três projetos?

Gabriela – Os recursos são provenientes de chamamentos públicos das três esferas de governo e recursos próprios arrecadados através de eventos com voluntários, Nota Fiscal Paulista, contribuições mensais da sociedade civil, Troco Solidário, bazar beneficente. Cada projeto executado pela OSC recebe repasses distintos, sendo eles: para o acolhimento institucional, a OSC recebe repasse dos municípios com os quais foram firmadas parcerias como Arealva, Boraceia, Itápolis e Bariri; para o SCFV há um Termo de Colaboração que prevê repasses para recursos humanos e custeio, advindos das esferas municipal e estadual; e para as Medidas Socioeducativas em Meio Aberto há um termo de colaboração que prevê repasses para recursos humanos e custeio, advindos das esferas federal e estadual.

Candeia – Quais as maiores necessidades hoje da entidade e de que forma a comunidade pode colaborar?

Gabriela – Atualmente, as necessidades do LAV são voltadas para o custeio de despesas de manutenção do espaço físico, que são frequentes, como reparos gerais em pinturas, elétrica, hidráulica, eletrodomésticos e mobiliários, além do fato de que o prédio tem 20 anos e nunca foi possível realizar manutenção preventiva, apenas emergenciais. Para tanto, seria importante uma mobilização da comunidade pensando em serviços voluntários como carpintaria, vidraceiro, pintor, jardineiro, eletricista, dentre outros. As despesas relacionadas a produtos de farmácia e fraldas não podem ser previstos e contemplados nos repasses de parcerias, portanto, devem ser pagos com recursos próprios quando o LAV conta com estes, caso contrário é sempre possível contar com a parceria da sociedade civil que frequentemente se sensibiliza e contribui com as campanhas promovidas. O LAV também necessita angariar recursos para a aquisição de um parquinho a ser instalado no quintal para que as crianças possam brincar, socializar e interagir. Um meio importante de angariar recursos próprios é através do lançamento de cupons fiscais, sendo assim, é possível a comunidade colaborar lançando os cupons no sistema em prol da entidade ou ainda angariando cupons através dos lojistas do município. O LAV conta com vários membros da sociedade civil que contribuem com a entidade através de doações em dinheiro e após parceria firmada com o Saemba é possível realizar essa contribuição através do débito em conta de água. Uma pequena contribuição para o cidadão para o LAV pode significar a resolução de várias necessidades.