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Quarta-feira Santa
“A cruz é a porta real para a entrada no templo da santidade“. São Francisco de Sales, grande padre espiritual, nos aponta a cruz como caminho de nossa santificação. Uma santificação onde mediante os grandes desafios da vida vemos que Deus não nos poupa, assim como não poupou o seu Filho Unigênito. Deus não nos coloca sob uma redoma para que vivamos uma vida de ilusão, mas Deus nos coloca no mundo e nos fortalece com a sua graça para o enfrentamento de todas e quais quer situações que esta impõe sobre nós.
Estamos entrando, amanhã, num tempo que nos faz pensar sobre o sentido da vida e da fé (cf. Mateus 26,14– 27,66): o Tríduo Pascal. “Todos os seres humanos vão a Deus no seu sofrimento, choram por ajuda, pedem felicidade e pão, salvação da doença, da morte. Assim fazem todos, todos: cristãos e pagãos… Os seres humanos vão a Deus no seu sofrimento, encontram-no pobre, ultrajado, sem abrigo nem pão, consumido… Os cristãos estão próximos de Deus no seu sofrimento” (D. Bonhoeffer).
O sofrimento que então ardeu na paixão de Jesus e hoje arde nas cruzes sem fim onde Cristo continua crucificado nos seus irmãos. A Semana Santa é a semana da suprema proximidade, nela entramos como garimpeiros à procura de ouro. Celebrar este tempo é voltar nossos olhos ao mistério da Cruz de Cristo e ver que esta nos ajuda na compreensão dos grandes desafios que se mostram em nosso cotidiano.
Mesmo isolados nas nossas casas, por conta da pandemia do Corona Vírus, nós cristãos estamos próximos, estamos em empatia próximos do sofrimento de quantos pedem vida, saúde, pão, conforto. E onde respiramos melhor é junto à cruz.
Olhar o Calvário e ver um homem nu, pregado e moribundo é fazer a experiência da Kenosis Divina (do rebaixamento de um Deus que sendo tudo fez nada para resgatar a todos). Um homem com os braços escancarados num abraço que nunca renegará. Um homem que não pede nada para si, não grita lá de cima: recorda-te de mim, tenta compreender, defende-me… Mas esquece-se e preocupa-se com quem morre ao seu lado: hoje, comigo, estarás no Paraíso (Lc 23,43).
O fundamento da fé cristã é a coisa mais bela do mundo: um ato de amor total e gratuito. A suprema beleza da história é aquela que aconteceu fora de Jerusalém, sobre a colina, onde o Filho de Deus se deixa pregar, pobre e nu como um verme ao vento, para morrer de amor.
A cruz é o enxerto do Céu dentro da Terra, o ponto onde um amor eterno penetra no tempo como uma gota de fogo, e arde. E escreve a sua narrativa com o alfabeto das feridas, o único que não engana.
É daqui que provém a comoção, a admiração, o enamoramento. Após dois mil anos, sentimos também nós como as mulheres, o centurião, o ladrão, que na cruz está a suprema atração de Deus. Penso que esta realidade tantas vezes não é compreendida. Quantos de nós ao olharmos a cruz nos perguntamos: Por quê? Porque Deus não poupou o seu Filho desta atrocidade, deste sofrimento, desta tortura…? Talvez falta-nos fazer a experiência real e concreta do mistério que celebramos neste Tríduo que vamos entrar. Devemos mergulhar nesta realidade com nossa vida, vendo que nosso viver se configura ao viver de Cristo Jesus. Se Ele sofreu foi para que nós em nosso sofrimento não esmoreçamos, nem percamos a esperança, pois por maior que seja a dor do sofrimento esta é um nada mediante a Vitória que Cristo conquistou e que nós, se soubermos passar pela cruz ou cruzes de nossa vida, também conquistaremos. Sei que não é simples e nem fácil compreender esta realidade, somos homens e mulheres que desejamos o melhor e excluímos tudo aquilo que possa parecer ferir nossa liberdade. Porém deve no fim convencer nos não um raciocínio sutil, mas a eloquência do coração:
“Por que a cruz, o sorriso, a pena inumana?
Acreditai-me é muito simples quando se ama” (J. Twardowski).
Os algozes do Divino Mestres aos pés da cruz bradavam: “Tu que salvaste os outros, salva-te a ti mesmo, se és o Cristo” (Mt 27,42). Dizem-no todos, chefes, soldados, o ladrão: faz um milagre, conquista-nos, impõe-te, desce da cruz, e acreditaremos em ti. Qualquer homem, qualquer rei, podendo-o, desceria da cruz. Ele, não. Só um Deus não desce do madeiro (D.M. Turoldo), o nosso Deus.
Acredito que passar, mais uma vez, pela oportunidade que o Senhor nos concede, desta Semana Santa, pede-nos uma conversão verdadeira, um ato de fé sincero, uma atitude adulta diante da vida. Quantas vezes nossa vontade é descer da cruz com uma exclamação de que somos filhos amados de Deus. Mas o Mistério de Jesus mostra que a cruz, realmente, não é fim, mas meio/passagem. Nós não nascemos para o sofrimento, todavia o pecado acarretou-nos o limite que deixou em nós a marca do pecado. Vencer essa realidade é passar pela cruz e ressuscitar, abraçando a vida nova. Como buscador, encontramos aqui a proximidade absoluta: de Deus a mim, de mim a Deus; na cruz estremece aquela paixão de comunhão que tem a força de fazer estremecer as pedras de cada sepulcro nosso, e de nelas fazer entrar o alívio da manhã. Na cruz ouvimos o brado Divino que diz: Não foram os pregos que me prenderam numa cruz, mas o amor.
Com São Boaventura entremos neste Tríduo dizendo: “Agirei com confiança esperando com firmeza, pois nada do necessário para a salvação me será negado por aquele que tanto fez e sofreu para me salvar”.
Que a Cruz seja a certeza do amor que ama o amado… Você.
Pe. Marcelo Aparecido de Souza
Reitor do Seminário São João Paulo II